Hoje é dia de falar sobre o que aconteceu em Lyderia, o motivo de todos estaremos indo embora de lá. Como dizem há um tempo; o fim de uma Era. Devo dizer que hoje está muito frio e estou gastando as velas que economizei na outra noite, para me aquecer. Estamos passando por um lugar que me lembra o que falavam sobre o mar à norte de Eyiria, onde a água quase congelava e era preciso navegar com cuidado. É como estamos no momento, lentos, há uma névoa que deixa nosso horizonte esbranquiçado. É meio difícil escrever nessas condições térmicas, mas não dá pra ficar lá fora e preciso me ocupar do lado de dentro.
Lyderia.
Esse grandioso continente era vasto e diversificado. Dos desertos do sul, pântanos concentrados à leste, florestas tropicais à oeste, montanhas nevadas à norte. As histórias dizem que os ancestrais de todos nós eram majoritariamente nômades, há lendas que a terra não os deixavam em paz, mandando-os embora de onde estavam. E por incrível que pareça, é datado que as primeiras cidades podem ter sido construídas na região de Sabau, nos desertos do Sul. Centenas de anos se passaram até que os povos se espalharam pelo continente, e as lendas que a terra mandava as pessoas embora ficou no passado. Centenas de anos, e os humanos criaram história, comunidades, reinos, guerras e tratados.
Eis que chegamos nos tempos atuais, meses atrás. Quantos? Não sei dizer ao certo, todos estamos meio perdidos no tempo aqui nesse barco. Será que já faz mais de um ano? Talvez. Vamos chamar de "O início do fim", que tal?
Começou com pequenos tremores na terra. Não tão fortes pra causar destruição, mas sim preocupação. Viajantes e comerciantes passavam o acontecido para as demais regiões, que contavam que sentiram esses tremores também, e assim soubemos que estava acontecendo em toda Lyderia. Após um tempo um grande tremor atingiu um ponto específico no oeste, o que causou a erupção de um enorme vulcão. Populações vizinhas tiveram que sair urgentemente de suas casas, o vulcão parecia não parar e o céu ficou coberto de fumaça e cinzas durante semanas. A notícia se espalhou rapidamente e o povo de Sabau, mais conectado com sua herança primitiva, já alertava que a terra estava voltando à nos mandar embora, revivendo as lendas esquecidas.
Alguns meses se passaram, e durante esse tempo os tremores não pararam. Não tão grandes, mas preocupantes, causando alguns pequenos avalanches e pontuais enchentes e aumento da maré em alguns lugares. Mas o povo se acostumou, se adaptou e continuou vivendo. Porém, em Sabau, na região Sul, a maré não parava de subir, e seu povo apegado ao passado decidiu abandonar o local e se mudar mais ao norte. Eles diziam que a terra está nos avisando para sair dali, que não eram mais bem-vindos.
O inverno chegou e com ele acontecimentos cruciais para o futuro de Lyderia chegaram também. Até então, as pessoas viviam um pouco preocupadas com os tremores, chamavam de terremotos normais, mas conviviam com isso. E então três grandes terremotos aconteceram. Contam que um foi nas margens da região de Sabau, ao Sul; outro no fim dos pântanos do leste, que cruzavam para a região central de Lyderia; e outro grande tremor nos pés das montanhas ao sul de Eyiria. Minha vila sentiu muito esse tremor. Como temos um contato mais próximo, soubemos que um avalanche tomou boa parte das plantações das planícies do Sul de Eyiria, acabando com estoques de comida. Avalanches aconteceram por quase todas as partes da montanha, inclusive entre as passagens centrais que ligavam as duas regiões.
Aliás, por curiosidade e coincidência, há alguém aqui no barco que já esteve em Sabau, e ele disse que foi uma das primeiras regiões há ficar praticamente inabitada. O mar não parava de subir, tomando as vilas e os tremores faziam os bancos de areia se direcionarem para o mar.
Após esses três grandes temores, a vida em Lyderia começou a decair. Uma cadeia de eventos resultou na difícil sobrevivência do povo, com mais e mais tremores acontecendo. Não só em terra, mas também nas costas, fazendo com que o mar entrasse nas margens. Dizem que a maioria da população da região leste, nos pântanos, não conseguiu passar para o lado oeste, pois os tremores fizeram os diversos pântanos da região se tornarem um só, com poucas passagens secas e viáveis. Após um tempo, não só Sabau e o deserto ficaram extintos, mas também o leste sendo transformado em um mar de lama. A população que migrava sobrevivia das fazendas do oeste e da diversidade fauna e flora que ali tinha, o que tinha data contada para terminar. Nós, lá no norte, por não sermos tão populosos, conseguimos racionar o que tínhamos e arriscávamos a sorte com cardumes sendo pescados perto da costa. Foram tempos difíceis. Nesse ponto, alguns diziam que a lenda do passado era real, onde a terra estava nos mandando embora à forças. Outros diziam que eram poderes demoníacos nos engolindo.
Mais ou menos nesse período, onde a maior parte da população estava no oeste e o restante no norte, que um certo boato começou a rondar Lyderia, ou o que havia sobrado dela. "Lucien Ravencrest", o nome que mais se ouvia. Nós sabíamos que aventureiros e guerreiros tentavam a sorte no mar, atrás de um novo lar para todos, que pudéssemos viver em paz e essa coisa toda. Mas falhavam, vários falharam. Até que começou-se à se falar de um herói, um dos mais conhecidos do oeste, chamado Lucien Ravencrest. Estavam falando que ele havia encontrado terra, um novo local seguro para irmos. Sem pensar duas vezes, a população que estava cada vez mais acuada por conta dos tremores que não paravam de engolir a terra, estava sedenta em subir em qualquer barco e ir rumo ao destino que Lucien achara. Alguns nem sabiam direito pra que lado navegar, ou como navegar por tempo indeterminado. Teríamos comida? Quanto tempo de viagem até chegar? Dúvidas, mas no fim, esperança também.
E durante esse alvoroço todo, com Lucien ascendendo mais ainda como herói de Lyderia, as cidades não paravam de decair, suas populações correndo contra a vida para um local mais seguro, sem conseguir ir para alto mar. Além do perigo natural, tínhamos que cuidar com saqueadores. Lyderia de fato não tinha mais futuro, o rastro de destruição era visto das montanhas ao norte, e nós sabíamos que não tínhamos saída, a não ser embarcarmos rumo ao destino de Lucien dissera. A minha região, no extremo norte de Eyiria, não era muito grande, mas tínhamos um belo histórico com barcos, por conta da nossa criação de gerações sobrevivendo com pesca. Graças à isso, tínhamos onde nos agarrar para sustentar a esperança de conseguir deixar Lyderia rumo à um novo lar.
Sentado aqui, conseguindo ouvir quão gelada a água está lá fora, eu fico pensando quantas famílias não conseguiram zarpar de Lyderia? Quantas pessoas não quiseram deixar suas casas, sua história? Preferindo se afundar com elas. Reinos desmanchados, um passado engolido pelo mar, enterrado com a terra que uma vez foi fruto de prosperidade e sucesso para todos. Além disso, que terra é essa que estamos almejando? Quem está nela antes de nós? Conseguiremos extrair nossa experiência para criar um novo futuro nesse local desconhecido? Quão sucesso Lucien e seus companheiros estão tendo por lá? Há incertezas por todos os lados, mas temos que nos apegar na esperança.